quarta-feira, 22 de outubro de 2008

domingo, 5 de outubro de 2008

Dinis Machado

Lembro-me do Dinis Machado como redactor de 2 revistas de BD de que fui assinante nos anos 70/80: Tintin e Spirou.
Mas o país ficou a conhecê-lo melhor quando em 1977 publicou um romance que fez furor: O que diz Molero. Em finais dos anos 60, Dinis Machado escreveu 3 policiais sob o pseudónimo de Dennis McShade, habilidade para escapar aos tacanhos sensores da ditadura salazarista e atrair melhor os leitores habituados a nomes famosos da literatura policial anglo-saxónica. Como quem junta a fome à vontade de comer, explicou um dia que escrevera esses romances para pagar o leite da filha.
Dinis Machado sempre esteve muito ligado a Roussado Pinto (1926/1985), o famoso Ross Pynn dos policiais (o caso da mulher cega, o caso da mulher sádica e outros).
Passaram-me pelas mãos exemplares desses cobiçados policiais, sobretudo da “Colecção Rififi”, ao estilo muito em voga na literatura policial americana. Eram um sucesso e os raros exemplares que iam aparecendo corriam de mão em mão.
Não tarda, as livrarias estarão cheias de reedições de títulos de Dinis Machado e do seu heterónimo Dennis McShade. A morte tem o condão de reavivar a memória, mas depois, como disse o poeta dos heterónimos…
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes por ano pensam em ti.
Duas vezes por ano suspiram por ti os que te amaram.
e uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala de ti.

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Poesias de Álvaro de Campos, Edições Ática, 1980

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

eu cá gosto muito da disciplina de voto

A disciplina de voto imposta aos deputados da maioria socialista sobre a questão do casamento entre os homossexuais seria impensável nos EUA.
Alguém imagina os membros do Congresso serem obrigados pelo partido a aceitar que os desmandos dos banqueiros privados sejam tapados com o dinheiro (público) dos contribuintes?
Mas nós cá somos assim: aceitamos a liberdade de voto quando dá jeito e proibimo-la quando o assunto escalda.

a tabuada dos pêcês

Há quem diga que a vulgarização dos computadores "Magalhães" entre a miudagem acabará com os métodos tradicionais de aprendizagem.
Será que ainda ensinam a tabuada na escola primária?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

divórcio: novas regras

Depois da 1ª versão da nova lei do divórcio ter sido chumbada pelo veto do Presidente da República, o PS voltou à carga e acabou por conseguir a aprovação, por larga maioria, dum novo texto legal. Em traços muito gerais, o novo decreto agora aprovado na Assembleia da República assenta no princípio de que ninguém pode continuar casado contra a sua vontade.
Acabou o divórcio baseado na "culpa" e com ele a humilhação que era a exposição pública das desavenças conjugais. Com a nova lei (se desta vez for aprovada pelo PR), para o tribunal decretar o divórcio litigioso basta ficar provada a ruptura definitiva da vida conjugal "por causas objectivas".
Em 1980, a percentagem dos divórcios litigiosos era de 38%, em 2000 era de 14% e em 2008 de 6%; ou seja: a regra vem sendo a do recurso ao divórcio por acordo do casal (mútuo consentimento) e não pela via do lavar da roupa suja.
Quem anda pelos tribunais está farto de saber que os escassos processos judiciais de divórcio litigioso têm por detrás razões de mera lógica patrimonial, na medida em que o cônjuge que fosse declarado único ou principal culpado do divórcio seria punido no momento da partilha. É bom que se diga que a lógica dos actuais divórcios litigiosos vem sendo a dos cifrões e nada mais.
Mas há uma outra alteração importante: a nova lei passa a atribuir "créditos de compensação" sempre que se verificar desigualdade na contribuição de cada um para os encargos da vida familiar; se, por exemplo, um dos cônjuges tiver renunciado à sua vida profissional e daí tiverem resultado para si prejuízos patrimoniais importantes, no momento da partilha fica com o direito de exigir do outro a correspondente compensação.
A actual lei apenas prevê o direito do cônjuge não culpado pedir uma indemnização ao outro por danos não patrimoniais.
Daí a pergunta: com a nova lei acaba a guerra dos cifrões?
Cá por mim, não só não acaba como irá aumentar a níveis nunca vistos.
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Imagem de "A noiva de Lucky Luke", de Morris & Guy Vidal, Edição Meriberica/Liber, 1986

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

tempo de ir aos dióspiros

Dizem que são provenientes da China; talvez por isso, os dióspiros têm um sabor diferente, estranho até para muitos de nós. Mas lá que são saborosos e matam a sede, disso não há dúvida.
Talvez atacados por um qualquer bichinho da fruta, este ano apareceram com umas manchas escuras, o que quer dizer que se os bichos gostam deles é porque são mesmo bons.
Aos dióspiros dou-lhes o mesmo rumo que aos figos: atiro-me a eles antes que a passarada se antecipe.
E se a árvore cá do quintal deu menos este ano, compenso a escassez com um saltinho ao aido do vizinho Jó, que o dióspireiro dele está carregadinho.
Se repararem, os nossos quintais produzem pelo menos um tipo de fruta em cada estação do ano: as ameixas de verão já se foram, no princípio do Outono vieram os figos e com eles as uvas; agora são os dióspiros e não tarda voltaremos ao ciclo das laranjas.
As árvores que vamos preservando nos nossos quintais são a melhor defesa contra a globalização do mercado. Até quando?

domingo, 28 de setembro de 2008

O mercenário

É esse o nome do herói da banda desenhada criada pelo catalão Vicente Segrelles.
Nascido em 1980, O Mercenário tornou-se um sucesso graças à execução do desenho a óleo, aos cenários - um misto da pré-história dos grandes répteis e da misteriosa baixa idade média - e à liberdade criativa do autor. As sequências das vinhetas, esses sedutores quadradinhos, estão muito bem planificadas, a lembrar a linguagem do cinema.
São de Federico Felini estas palavras: "O Mercenário é uma obra de banda desenhada fenomenal, é um filme, um filme grandioso. Ao contemplar as suas páginas, eu imaginava o silvo do voo dos contendores, a música e os efeitos especiais..."
Da série de 13 episódios, apenas 9 foram publicados em Portugal, todos com a chancela da Meribérica.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

casamentos entre homossexuais e um pouco mais

São conhecidas as posições do PS e do PSD sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo:
- Para o PS, o assunto “não está na agenda política, nem do governo nem do PS e o PS não anda a reboque de nenhum outro partido.” Estamos conversados.
- Para o PSD e apesar de dividido sobre a matéria, trata-se mais duma questão de consciência, do foro íntimo de cada um. Conversados estamos.
Como é bom de ver, nem o tema é uma mera questão de agenda e muito menos se resume a um assunto do foro íntimo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão social, que põe em causa o conceito de família que sempre conhecemos.
Ao tratar do direito de família, o Código Civil define o casamento como um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante plena comunhão de vida, nos termos deste Código.”. Assim sempre rezou o artigo 1577º daquela lei.
Sou da opinião que o contrato/casamento possa ser celebrado entre pessoas, independentemente do sexo de cada um.
Mas fica a pergunta: porque é que este contrato não há-de ser celebrado entre 2, 3 ou até mais pessoas, como acontece com as demais relações contratuais?
Não me venham com o argumento de que somos herdeiros do direito romano e dos seus princípios monogâmicos. As tradições são como as agendas e os programas: só empatam o progresso.
Quem tem medo da poligamia? […a não ser o ministro das finanças, porque quantos mais forem os membros do agregado familiar mais aumentam as deduções fiscais].
É tempo de dizer não à tradição do matrimónio!
Votem aqui ao lado, que o voto é livre e secreto!

Os cabanais

Não havia casa de lavoura que não tivesse o seu cabanal.
Na região da Bairrada eram construídos à base de troncos de pinheiro ou de eucalipto: os paus mais grossos constituíam o seu esqueleto, que depois era completado com varas ou travessas horizontais onde depois se ia acamando a palha de milho ou a erva, até formar um verdadeiro telheiro.
Era certo e seguro que a chuva não entrava no seu interior. A palha, essa, serviria para alimentar ao longo do ano os nossos bois e vacas leiteiras; no interior, guardavam-se as espigas de milho e até alfaias agrícolas.
Os cabanais eram um bom esconderijo quando brincávamos aos cobóis.
E à noite - quem não se lembra? - eram local de encontro de amores furtivos ou proibidos.

Olhando à nossa volta, parece que já não vivemos no tempo dos amores escondidos...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Desterro e degredo

Até 1982 esteve em vigor um Código Penal (CP) que reflectia a ideologia duma sociedade colonialista e marialva. São disso exemplo as penas de desterro e de degredo.
A mais revoltante pena de desterro constava do artigo 372º do CP de 1886: O homem casado que achar sua mulher em adúltério e n'esse acto matar ou a ella ou ao adúltero, ou a ambos, ...será desterrado para fóra da comarca por seis meses.
A mesma pena era aplicada à mulher, mas apenas se no mesmo acto matasse a concubina teúda e manteúda pelo marido na "casa conjugal", ou o marido ou a ambos.
A pena de degredo consistia em obrigar o condenado a residir e trabalhar numa das colónias de África e era aplicada com particular frequência.
A partir de meados do séc. XIX a colonização portuguesa fez-se muito à custa de condenados à pena de degredo, o mais famoso dos quais terá sido o José do Telhado. Tal como meu pai, começou por ser capador e comerciante de cavalos. Mais tarde participou como liberal na Revolução da Maria da Fonte, recebendo a mais alta condecoração militar - a Torre e Espada.
Como era dos usos, experimentou a emigração no Brasil, donde regressou para ingressar na quadrilha do seu irmão; chefiou assaltos violentos e de fartos proveitos, ao mesmo tempo que ajudava os pobres. Acabou condenado e deportado para Angola, onde se dedicou ao comércio de borracha, cera e marfim pelos sertões do interior.
José do Telhado faleceu de doença em 1875 perto de Malange e a sua vida inspirou livros e folhetos de cordel, romances biográficos, uma opereta, três filmes (o 1º dos quais ainda nos tempos do cinema mudo) e peças de teatro.
...
Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os cabrais
Que são falsos à nação

É avante Portugueses
É avante não temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer
[do Hino da Maria da Fonte]

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Venezuela: as eleições regionais

Normalmente as eleições regionais não atraem os votantes venezuelanos tanto quanto as presidenciais. A Venezuela historicamente é um país de governo presidencialista; vota-se também pela pessoa, mais que pelas suas ideias e a situação actual não escapa a esta premissa. No próximo 23 de Novembro, a Venezuela elege 23 governadores e uns 350 alcaides, os quais exercerão as suas funções durante 4 anos. Há 4 anos, o governo (ou seja, Chavez), conseguiu 21 das 23 governações e a quase totalidade das "alcaldias". Desta vez, os resultados serão menos satisfatórios para ele. Prevê-se que a oposição possa vir a ganhar entre 8 e 12 governações de Estado e mais de metade das alcaldias. Para evitar esta hecatombe governamental, as instituições do Estado deram uma mão a Chavez, inabilitando os candidatos da oposição com maiores possibilidades de ganhar. Esta decisão da "Contraloria Geral da Republica", esbarra com o que está na Constituição de 1999 (feita à medida de Chavez) que diz que só poderão ser inabilitados para cargos públicos de eleição popular aquelas pessoas que tenham sido condenadas por um tribunal penal do País, coisa que não sucedeu em nenhum dos casos. O certo é que os principais candidatos ficaram pelo caminho. No meio de toda esta violação da Constituição, Chavez aproveitou para introduzir 26 leis que já tinham feito parte da Reforma que em 2 de Dezembro de 2007 tinham sido negadas pelos votos dos venezuelanos. Sendo assim, hoje em dia essas leis estão em plena vigência, contrariando a vontade do povo.
Esta atitude do governo de querer impor as suas regras contra a vontade popular está a levar o País a uma época de confrontos que podem chegar longe demais, com consequências difíceis de imaginar, mas seguramente muito duras para este povo que a única coisa que quer é viver em paz e harmonia.
Os dias que se aproximam podem levar a Venezuela a uma situação que trará enfrentamentos entre os venezuelanos, o que muito provavelmente provocará a impossibilidade de realizar eleições e a instauração dum governo mais autoritário do que hoje temos e ainda com menos liberdade do que aquela a que nos tínhamos acostumado nos últimos 40 anos.
Sopram ventos totalitários nesta querida terra. A liberdade pode ser anulada de um dia ao outro. Vamos todos votar para tratar de evitar essa possibilidade. Senão, que Deus nos proteja!
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Rui Luzio

sábado, 20 de setembro de 2008

A palavra e a mão

Em 1969, Alberto Martins e Celso Cruzeiro encabeçavam a lista candidata aos corpos gerentes da Associação Académica de Coimbra patrocinada pelo Conselho das Repúblicas (CR). A vitória foi esmagadora e bem se pode dizer que o fascismo serôdio começou aí a caminhada para o derrube final em 1974. 
Integravam ainda a lista efectiva:
- Direcção Geral: além dos citados, José Salvador, José Gil, Matos Pereira, Fernanda Bernarda e Osvaldo Castro;
- Assembleia Geral: Décio Sousa, Joaquim Gil, Silva Pinto e Fátima Saraiva;
- Conselho Fiscal: Carlos Baptista, José Barata e José Cabral.
Não fosse o diabo tecê-as, havia uma lista substituta, de que faziam parte Américo Borges, Augusto Leitão, Bento Machado, Emídio Viegas, Palma Dias, José Miguens, Manuel Lacerda, José Ferreira, Strecht Monteiro, Rui Lobo, Rui Pato, Custódio Arroja, Redondo Lopes e Virgílio Pimenta.

O Alberto Martins é o actual líder parlamentar do PS na Assembleia da República e mantém o perfil que lhe conheci em Coimbra: educado, de voz branda e doce, o estudante certo para pedir a palavra ao palhaço do então presidente Américo Tomás aquando da inauguração do edifício das Matemáticas em 17 de Abril de 1969. O episódio fez história e recordo-o como se fosse hoje. Testemunhei.
O Celso Cruzeiro é advogado em Aveiro e mantém o perfil panfletário e combativo de sempre.
Embora por razões de ciência bem diferentes, quis o destino que acabassem por servir os interesses do partido no poder: enquanto o 1º lá vai controlando a rebeldia da bancada socialista, o 2º entregou ao PS, numa bandeja limpa de mácula, aquele que alguns desejam ver como novo delfim do regime.
O diabo sabe tecê-las...

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"A palavra e a mão" - Título dum caderno de poemas e desenhos editado em Coimbra em Maio de 1969, donde saquei a pequena imagem à direita;
- O bem documentado programa da lista do CR incluía 9 cadernos, sob o título "
Para uma Universidade Nova". Tal como ao cadernoguardo o programa religiosamente.
- Sobre a crise académica de 69, Celso Cruzeiro publicou "
Coimbra, 1969", Edições Afrontamento, 1989, que também guardo religiosamente. Sou muito crente.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As duas faces da moeda

Percebe-se que o preço dos combustíveis junto do consumidor inclua uma percentagem fixa de imposto que o Estado cobra e que isso se reflicta de forma crescente no preço final.

Percebe-se que as variações do preço do petróleo (crude) não sejam exactamente iguais às variações do preço da gasolina; e percebe-se, porque enquanto a gasolina é cotada em euros, o petróleo é cotado em dólares e este subiu de valor face ao euro.

Percebe-se que o mercado português reaja a passo de caracol quando se trata de baixar os preços: se calhar, quando o petróleo está em queda nos mercados internacionais chega a Sines (quando chega!) nos porões de navios à vela…

Até se percebe que os defensores do neo-liberalismo económico achem muito normal que o preço da gasolina aumente numa altura em que a respectiva matéria-prima baixou mais de 30% desde Junho.

Entretanto e durante os mesmos últimos 3 meses, o custo do gasóleo baixou 23% e a gasolina 13%, o que equivale a dizer que, antes dos impostos, as descidas foram de 16 e 8%, respectivamente; a diferença aceita-se e está explicada pelas variações acima enunciadas.

Até aqui, tudo bem.

Só que, junto do consumidor final o gasóleo apenas desceu 8% e a gasolina uns ridículos 4%. Onde pára a diferença?

Fica também por perceber a razão desta lógica do mercado não se ter aplicado quando gramámos com subidas diárias do preço dos combustíveis. Serão mais velozes os navios quando transportam petróleo mais caro, assim provocando uma reacção mais rápida dos mercadores?

Entre a crença nas forças “naturais” da economia e o pavor ao excesso de intervencionismo do Estado, falta encontrar um meio termo que se ajuste melhor ao mundo global em que vivemos.

Sob pena de continuarmos a ser comidos por lorpas.

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Fontes: Jornal dos Negócios; Blasfémias.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

rebeldia ou dignidade?

Em 1965 era aluno interno do 6º ano do liceu no então Colégio Nacional de Anadia. Numa tarde solarenga, passeava com uns colegas mais chegados pelo alto do Monte Crasto, ali onde as vistas das serras do Caramulo e do Buçaco nos entram pelos olhos adentro.
Súbito, surge um automóvel que se imobiliza no alto do pequeno monte; do banco traseiro sai o então bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade. Um dos colegas que me acompanhava era seu sobrinho; ao vê-lo, o Daniel abeira-se do bispo seu tio, beija-lhe o anel e depois a face, num misto de respeito e sã familiaridade.
Com natural timidez, fomo-nos aproximando e cumprimentando o bispo como era dos usos: beijando-lhe o anel. Chegada a minha vez, fiz uso da ousadia própria duma geração que despertava para um mundo diferente: em vez do beijo da submissão, apertei-lhe a mão e curvei-me em sinal de respeito. D. Manuel, que bebera o espírito inovador e mais tolerante do Concílio Vaticano II em que participara em 1962, sorriu-me afavelmente.
Uns tempos depois, o Daniel ofereceu-me "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiróz, fazendo questão de me dizer que o livro pertencera ao tio; e lá estava, na 1ª folha, o seu nome e a data da aquisição da obra: 1933.
Li o livro e julgo ter lido melhor a mensagem que a oferta escondeu.
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Título extraído dum livro publicado pelo povo de Mamodeiro/Aveiro sobre um grave diferendo que então se instalou a propósito da localização duma igreja: "Rebeldia ou dignidade? - Os de Mamodeiro e o Sr. Bispo de Aveiro"

terça-feira, 16 de setembro de 2008

morrer de morte matada

As histórias de faca e alguidar são o usual tema de abertura dos telejornais; sempre assim foi e agora mais do que nunca, como procurei explicar aqui.Tudo me faz lembrar os anos 80, com a mediatização de crimes e criminosos que ficaram para a história. O mais celebrado terá sido Faustino Cavaco, que fez parte dum gang conhecido por FP27 e acabou condenado na pena única de 24 anos e 6 meses pela prática de 45 crimes, incluindo 6 de homicídio. Ficou famosa a sua rocambolesca fuga em Julho de 1989 da cadeia de Pinheiro da Cruz e de que resultou a morte de 3 guardas prisionais.
Em 1987 foi um pacato Vítor Jorge que decidiu sair de casa com um grupo de 5 amigos e amigas com o inocente propósito de festejar um aniversário numa praia da zona de Pombal (Osso da Baleia). Acabou por matá-los a todos no areal; regressado a casa após o massacre, terminou o festim assassinando a mulher e a filha.
Os primeiros tempos de Faustino Cavaco no estabelecimento prisional de Coimbra foram difíceis, mas a sua pacatez acabou por amansar os ressabiados guardas prisionais; a tal ponto que um cliente e amigo da zona de Anadia ia de quando em vez a Coimbra levar uns leitões assados para um grupo restrito de detidos, entre os quais se contava o José Faustino, hoje um pacato empresário de hotelaria no seu Algarve.
Nesses primeiros tempos de dura solitária, Faustino Cavaco escreveu as suas memórias, editadas em 1989 pela Heptágono. Mal saiu para os escaparates comprei “
Vida e mortes de Faustino Cavaco”. Li as 516 págs. dum fôlego, creio que numa noite inteira. O impressionante relato está cheio de acção e a narrativa é fluente e envolvente. Logo no final da 1ª pág. da introdução, Faustino escreve estas espantosas palavras:
Nasci no ano de 1960, mas não sei como os meus pais conseguiram fazer as coisas que não me lembro de ter nascido. Como eu tenho uma memória fantástica, teve de ser de noite e com a luz apagada, porque, senão, eu lembra-me-ia."
Tudo isto são
coisas naturais da vida
como comer, caminhar,
morrer de morte matada,
morrer de morte vivida.
Quem sabe eu sinta saudade, hein,
como em qualquer despedida
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1) Sobre outro homicida famoso, ler este interessante texto.
2) Os versos são do compositor, cantor e ex-ministro brasileiro da cultura, Gilberto Gil: "Não tenho medo da morte".

domingo, 14 de setembro de 2008

Os portugueses são uns queixinhas

O 1º ministro inaugurou ontem o Hotel Casino de Chaves, um investimento que terá custado 50 milhões de euros.
José Sócrates classificou o projecto turístico como "um dos investimentos mais importantes do norte do país", decisivo para o desenvolvimento e crescimento da economia transmontana. O nosso 1º não esteve pelos ajustes e foi mais longe: “A minha principal missão em vir aqui a Chaves é elogiar o grupo Solverde, a vossa família [os irmãos Viola, que controlam uma molhada de casinos de norte a sul do país] e também deixar uma palavra de confiança à cidade de Chaves”.
Tudo porque a cidade de Chaves é terra que não se põe a "chorar sobre o leite derramado", nem se associou ao espírito queixinhas que grassa pelo país.
Entretanto, o casino abriu portas em Janeiro deste ano, com sala de máquinas com 322 slot-machines e sala mista com máquinas e jogos bancados, quatro bares e etc.
Depois do Chavez é Chaves a conquistar o coração do nosso 1º. Está na cara: isto só vai ao sítio com petróleo e jogos de azar.
E como continuamos os dois agarrados ao tabaquito, a melhor forma de lhe mostrar a minha devoção é convidá-lo a fumar o cachimbo da paz.
- Imagens extraídas de "Rantamplan - O Padrinho" e de "Lucky Lucke - O 20º de Cavalaria", ambas dos imorredouros Morris & Goscinny.

sábado, 13 de setembro de 2008

Canção

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
- mãe, dou-lho ou não?

- 1º poema de Eugénio de Andrade (19/1/1923 - 12/6/2005). Desde 27/5/1984, data em que comprei o 1º dos seus livros, que o poeta acompanha as minhas noites.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Andam druidas na costa

Há lugares assim, como que mágicos, ainda por cima à beirinha do mar.
S. Paio de Labruge é um daqueles sítios onde a natureza parece ser dona do espaço e do tempo.
Há ruínas dum povoado piscatório pré-romano (por sinal bem protegidas e assinaladas), penedos (chamados “amoladoiros” porque os pescadores amolavam os seus utensílios nos rochedos), gravuras nas rochas e – tinha de ser - uma ermida sobranceira ao mar, dedicada ao jovem mártir S. Pelayo ou S. Paio e certamente ali erigida para cristianizar um local onde não faltam vestígios de cultos pagãos.
E depois sabe bem passar por tantos terrenos inundados de milho que por pouco não beijam o mar. Parece que mais a norte o povo das aldeias resiste ainda e sempre ao invasor.
S. Paio é como um navio de pedra, capaz de resistir àquilo que muitos insistem em chamar progresso.
Estou em regressar lá um dia destes, numa manhã de nevoeiro e mar agreste. Quero encontrar druidas de foice de oiro na mão a cortar o visco que há-de servir de poção mágica.
E duendes,
Fadas
E feiticeiras que curam males.
__
- Mais uma vez associo o tema à BD, trazendo à lembrança o
Panoramix e O Navio de Pedra.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fintabolistas

(...) o que me inveja não são esses jovens, esses fintabolistas, todos cheios de vigor. O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo. Um mundo cheio de dores verdadeiras pára perante a dor falsa de um futebolista.
As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender, reboladinho que estou por dentro, estourado que fui pelos outros. Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino? (...)
 
[Mia Couto, in O Fio das Missangas]
[via Vanda]

domingo, 7 de setembro de 2008

Há gostos que não se discutem

Embora timidamente, a Câmara Municipal de Oliveira do Bairro lá vai investindo em arte.
As exposições no edifício dos paços do concelho são uma constante e vão aparecendo espaços públicos onde emerge algum espaço para as artes plásticas. É o recente caso do monumento comemorativo dos 10 anos de geminação entre Lamballe (França) e Oliveira do Bairro, implantado no jardim dos paços.
Mesmo no tempo do outro senhor dos paços, a arte lá ia dando sinais.
A autora da peça, a jovem artista plástica Lara Roseiro, tem marcado presença no concelho: o depósito de água da vila, as piscinas municipais e a sede da AMPER (Associação dos Amigos de Perrães) refletem o seu traço.

Em verdade vos digo: a arte é um regalo para os olhos...
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"Mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar. A arte pode morrer; um quadro desaparecer. O que conta é a semente" - Joan Miró, pintor espanhol

Aparências...

Já nos meus tempos de estudante em Lisboa (69/70 e 70/71) o parque Eduardo VII era local privilegiado de engate.
Não sabia era que a Câmara cobrava taxa...

Os(as) prostitutos(as) agradecem a benesse, que os tempos estão difíceis.
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Antes que o loby me crucifique, aqui vai a notícia completa.

sábado, 6 de setembro de 2008

"Bando dos quatro" apanhado ao jantar

Jovens suspeitos de mais de 20 assaltos a cafés e farmácias do Minho lançaram o terror nos últimos cinco meses, com roubos violentos. Foram apanhados num jantar de confraternização em Fafe. O "Bando dos quatro", como foi denominado, preocupava as autoridades, por se enquadrarem no perfil de delinquentes que passam rapidamente para um patamar superior de violência.
Segundo fontes geralmente bem informadas, terá sido a pronta acção do corajoso Lucky Luke que permitiu que o bando acabasse atrás das grades.
Mal soube da notícia, o 1º ministro interrompeu o seu jogging matinal e reuniu o governo de emergência com o propósito único de propor uma homenagem ao nosso herói.
É sabido que ambos têm dois pontos em comum: ainda que por razões diferentes, deixaram de fumar e adoram prender os Dalton.
PS 1 - fora de brincadeiras: a notícia pode ser lida no JN on line de hoje; é só ir lá.
PS 2
- fora de brincadeiras: no seguimento da campanha antitabágica que percorreu a Europa há uns anos, o Lucky Luke passou a andar de palhita nos beiços em vez do tradicional cigarro feito à mão.

PS 3
- fora de brincadeiras: o 1º ministro foi apanhado a fumar no avião que o levava de visita ao Chavez e prometeu deixar de fumar.

PS 4
– fora de confusões: como qualquer letrado saberá, PS é a abreviatura de post scriptum, i.é., o que se escreve depois.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Tempo de ir aos figos

Os botânicos dizem que o figo não é um fruto, mas sim um sícone, que não é mais do que um falso fruto que começa por uma inflorescência e acaba numa deliciosa infrutescência, sobretudo quando bem madurinha.
Dito assim nem apetece ir aos figos, mas cá por mim vou-me a eles na mesma, deixando as explicações para o Milton Costa, que é cientista e quando se atira à figueira da casa dele fica indeciso entre comê-los e divagar sobre as razões de ciência do tal de sícone ou sicónio.
Gosto muito de figos, sobretudo das figueiras dos quintais dos meus afáveis vizinhos.
Aos figos chamo-lhes um figo.
Estão logo ali depois do meu quintal. E a fronteira que separa os dois aidos não tem muro de Berlim, arame farpado, campo de minas, nem me esperam as malditas emboscadas de má memória.
E também está fora de questão a prática do crime de introdução em lugar vedado ao público, porque - como diria o Sr. De La Palisse - não há vedação de espécie alguma. Os nossos aidos gostam de interagir, derramando-se uns nos outros como mares iguaizinhos a que os homens deram nomes diferentes.
Não digam nada ao meu vizinho, mas, de 2 em 2 dias para dar tempo de amadurecerem, vou-me a eles como cão à cata de bom osso. E não lhe digam porque ele é uma jóia de rapaz, bom amigo de ontem e de hoje (e espero que de amanhã...), faz uns petiscos de morrer e produz vinho de boa qualidade.
Em abono da verdade, ou me vou a eles ou a passarada passa-me a perna. Tertio non datur, como se diz nos direitos; em bom português, significa que não existe uma 3ª alternativa visto que o tertio não vive cá.
É tempo dos figos. E antes que os pássaros os dizimem ou a chuva os estrague...
Vamo-nos a eles!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Blogue do Rui Luzio: hecho en Venezuela


O Rui Luzio é um bustuense dos meus tempos. Como tantos outros companheiros dos anos 60 e princípios de 70, o seu destino foram as américas; para ser mais preciso, a Venezuela que agora é do Sr. Chavez.
Também lhe deram as febres de Agosto e daí o ter criado recentemente um blogue pessoal onde nos fala das suas memórias e das suas viagens. Ficam a saber que o Mário Rui da Cruz Luzio há muito que é também um viajandeiro a percorrer caminhos de Santiago.
O endereço do seu blogue passou a constar da lista aqui do lado.
Morrocoy se chama.

E agora responde-me, ó Rui Luzio: - A internet também não te faz lembrar os tonéis das adegas da nossa juventude? Quantas vezes não viajaste no espaço e ficaste sábio sem sair do mesmo "sítio"?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Tardes do Piri-Piri

Com 83 anos, foi ontem a enterrar uma conterrânea que ajudou a marcar a minha juventude nos anos 60 (foi no séc. passado, raios!). O triste evento foi merecedor dum post no Notícias de Bustos, editado pela 1ª vez em verdadeira e animada co-autoria.
Cremilda Martins da Silva tinha 83 anos e há 45/40 anos viveu com bonomia e compreensão a nossa irreverente juventude.
Fosse nas férias escolares, fosse aos fins de semana, a esplanada do café Piri-Piri dessa aldeia pujante e contestatária que foi Bustos era o ponto de encontro dum número apreciável de jovens e libidinosos bustuenses. Ali vivemos as famosas tardes do Piri-Piri, entre finos, pratinhos de tremoços e alguns pires de pequenos búzios da ria que a Ti Cremilde ia pachorrentamente servindo à medida que contávamos as escassas moedas de escudo.

Regressados do que já apelidei de "Agosto bustuense da Costa Nova" e a partir da sede instalada na esplanada do Piri-Piri, ajudámos a organizar em Setembro de 1970 um Encontro de Estudantes da Bairrada, cuja iniciativa partira do pároco local. O Padre Vidal era um indefectível da ditadura salazarista e tinha fé de que acabaríamos por lhe cair no regaço; só que a malta tinha outras ideias e, mal ele sonhava, aproveitámos mas foi para ir sacudindo as consciências que o regime reprimia ferozmente.
Estranhamente, o pároco tinha uma empatia muito especial por mim: eu era rebelde mas franco e isso atraía-o. Uns bons anos antes, aí pelos meus 10/12 anos, era uso na missa de domingo o sacristão mandar perfilar meia dúzia de miúdos traquinas no 1º degrau logo a seguir ao altar. Calhava-nos sempre a triste sina...até que um dia engendrámos a mais rebelde das conspirações:
Aproveitando um dos solenes momentos em que o pároco ajoelhou de costas para os fiéis, um de nós atou-lhe os dois atacadores dos sapatos; ao querer levantar-se após a sentida oração, o Padre Vidal estatelou-se no chão ante o altar. A risota foi geral, mas o par de tabefes com que o bondoso sacristão brindou cada um dos atrevidotes caiu que nem raio castigador.
A missa continuou a pedido do Senhor, que lembrou aos crentes o miúdo traquinas que um dia
também Ele fora.
Quem sabe se o irrreverente episódio não fez de nós melhores filhos desse deus que está no coração dos homens e das mulheres de bem.
Bem haja a mulher de bem que foi a Ti Cremilda!

domingo, 31 de agosto de 2008

Às armas!

Salta à vista que se acabaram para nós os tempos dos brandos costumes, pelo menos no que diz respeito à segurança dos cidadãos.
Em traços muito gerais julgo ser capaz de acertar em três ou quatro razões de fundo:
- actual crise económica e os elevados níveis de desemprego que arrastou (entre 8 e 8,5%, a taxa mais elevada da zona euro); - excesso de garantismo na defesa dos arguidos, acentuado com a reforma do Código de Processo Penal (Lei 48/07, de 29/8) e em especial com a branda Lei da Política Criminal (Lei 51/2007, de 31/8); - deficiente controlo das pessoas conotadas com o mundo do crime, que saíram das prisões na sequência das ditas reformas e de que resultou a redução em mais de 50% dos presos do país;
- impreparação e inadequação dos orgãos de polícia criminal para enfrentar tipos de criminalidade a que não estávamos habituados.

Quem lida diariamente com os tribunais, sobretudo no patrocínio dos arguidos, percebe facilmente que os delinquentes se vinham convencendo cada vez mais da sua impunidade: numa Justiça feita por tansos, aqui no sentido de gente com excesso de boa fé que acredita cegamente na bondade dos seus concidadãos e nos ideiais regenerativos, o crime compensa mesmo. Se não compensasse, não estaríamos a assistir ao actual aumento da criminalidade violenta, sobretudo a que incide sobre os chamados crimes contra o património.
O resultado foi o esperado, se calhar o desejado: o governo recuou e continuará a recuar, fazendo jus à fama de autoritário de que o 1º ministro granjeia e de que o povão tanto gosta. Depois do Salazar tivémos o Cavaco e depois deste temos o Sócrates, o qual - salvaguardadas as devidas distâncias temporais e ideológicas - me parece mais próximo do estilo do ditador que durante 40 anos marcou as nossas almas e, muito em especial, o nosso corpinho.
Está-nos no cerne: gostamos de quem manda, quer e pode mandar.
A criminalidade violenta tem os dias contados?
O tanas!
*
Se bem repararam, os diplomas que citei foram publicados no mês de Agosto, o que nos reconduz ao 2º texto editado no passado dia 6 (ir ao arquivo do blogue ou clicar na etiqueta abaixo, em Mais do mesmo / Corporações)
*
Imagens extraídas de "Lucky Luke - Os Dalton continuam à solta", pág. 4, com um piscar de olho à dupla imorredoura, MORRIS & GOSCINNY.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Regresso às corridas

Vila Real foi durante muitos anos a catedral do desporto automóvel. A partir de 1931 e até 1991 realizou-se no perímetro urbano da cidade o famoso Circuito de Vila Real. Era uma festa para a malta, que tinha a oportunidade de observar de perto as máquinas que só conhecíamos das imagens da tv a preto e branco ou dos jornais e revistas.
Em Julho de 1969 a universidade de Coimbra vivia o fervilhar da greve aos exames. Solução: ir com os amigos mais chegados até Vila Real. Fomos no carro dum dos pais e acampámos na serra, à ilharga da cidade. Um desses amigos de sempre, o Milton Costa, estava de férias dos EUA, onde então estudava e que nas horas vagas se entretinha a ser correspondente duma revista portuguesa de automobilismo.
Claro que a credencial dele nos deu acesso total à pista e às boxes; e, evidentemente, aos pópós...
Daí a foto com ares de figurão junto dum dos melhores bólides da época: o Ford GT40.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ordenações do Reino

Extraído da Collecçaõ da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal / Parte II. /Da Legislaçaõ Moderna. /Tomo III. / Coimbra: /Na Real Imprensa da Universidade. / anno de MDCCCVII / Por Resolução de S. Magestade de 2 de Setembro de 1786 / Ordenações e Leis do Reino de Portugal / Publicadas em 1603 /Livro Primeiro/.
Trata-se das chamadas Ordenações Filipinas.
Antes de adoptarmos o sistema de codificação napoleónico [de que é exemplo o Código Civil de 1867, conhecido por Código de Seabra por ter sido seu autor o Visconde de Seabra, com palacete ali em Mogofores], as leis e determinações régias estavam dispersas por textos avulsos.
Todavia, a partir do séc. XV os nossos reizinhos mandaram imprimir 3 colectâneas de leis ou Ordenações: Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603, estas sob a ocupação dos Filipes de Espanha).

Um dia, duma assentada, adquiri não só os 3 volumes das Ordenações Filipinas, mas também a Collecçaõ Cronologica dos Assentos das Casas da Supplicaçaõ e do Cível (impressa em 1791) e a obra mais rara, as D. JUSTINIANI IMPERATORIS P.P. AUGUSTI / INSTITUTIONUM JURIS CIVILIS / EXPOSITIO METHODICA/, impressas em Parisis (Paris) em 1757 e conhecidas por Instituições Justinianas. Nos meus tempos de faculdade tive de aprender esta gaita toda e citar de cor excertos da história do direito português e do próprio direito romano.
_
Segue a adaptação ao português moderno do texto acima reproduzido:
Mandamos que toda a pessoa que nos vier dizer mentira em prejuízo de alguma parte, e sobre o que nos assim disser não impetrar Alvará nosso, seja degradado dois anos para África, e pague vinte cruzados para a parte, em cujo prejuízo nos assim disse a mentira, e mais ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe maior pena, segundo a qualidade da pessoa em cujo prejuízo for, e da coisa que nos assim disse, e assim de julgar à parte sua injúria, se for caso de injúria.
..
Se a El Rei aprouvesse regressar do túmulo em manhã de nevoeiro e as Côrtes Lho consentissem, os políticos portugueses de hoje já tinham passado todos pelo degrêdo em terras africanas.
Tantos têm sido os mentirosos que os 20 cruzados dariam certamente para construir um bom hospital.

Linguagem HTML

As páginas da web, como é o caso dos blogues, são criadas e desenvolvidas numa linguagem própria. No caso do bloguedooscar, em HTML (hiper text markup language), que não é mais do que um conjunto de códigos ou descrições que nos habilitam a formatar a página que se pretende publicar. Com o HTML e possível juntar no mesmo documento de edição, texto, imagens, sons e links.
Durante a hora de almoço de ontem, o colega, amigo e conterrâneo Paulo Figueiredo, permitiu-me ficar a saber muito mais do que o muito pouco que já sabia. É um mundo fascinante - eu diria mesmo - viciante.
Daí o bloguedooscar apresentar a partir de ontem um aspecto diferente, leviandade que me desculparão.
Dizia Luis de Camões que todo o mundo é feito de mudança.
Mudemos, pois. Mas que seja para melhor; e se for para pior, saibamos reconhecê-lo e retomemos a aprendizagem.
Desta vez, este post é acompanhado da seguinte ilustração:
body {
background:#fbfbd9; margin:0; text-align:center; line-height: 1.5em; font:x-small Trebuchet MS, Verdana, Arial, Sans-serif; color:$mainTextColor; font-size/* */:/**/small; font-size: /**/small;
}
...
Quem diria que uma pág. nasce de centenas de instruções como esta?
Os códigos das nossas aprendizagens da vida parecem muito mais simples. Serão mesmo?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A balança da justiça

"- É a Justiça - disse por fim.
- Agora já reconheço a figura - retorquiu K. - cá está a venda a tapar os olhos e aqui a balança. Mas ela não tem asas nos pés? Não está a correr?
- Está - respondeu o pintor. - Tive que a pintar assim por encomenda; na verdade trata-se da representação da Justiça e da Vitória numa só figura.
- Acho que não ligam bem uma com a outra - comentou K., sorrindo - a Justiça tem de estar quieta, de contrário faz oscilar a balança, o que torna impossível qualquer sentença justa.
"

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Extraído de "O Processo", de Franz Kafka, a fls. 152, Ed. Livros do Brasil, Colecção dois Mundos.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Retrato com sombras

Foto da família materna.

Resta a menina da direita, para nos lembrar o chão que pisamos. Foi essa menina que o meu pai levou à igreja. (*)

E faz hoje 86 anos.

O retrato é do tempo de fotógrafos que marcaram Aveiro e foi tirada na Foto Moderna (Electrica) de João Ramos / Rua Coimbra / em frente à estátua de José Estêvão / Aveiro / JUN 1943.

(*) Do poema Mãezinha, de António Gedeão / Linhas de Força / Edição do autor de 1967, impressa na Tipografia da Atlântida Editora, de Coimbra.

domingo, 24 de agosto de 2008

500.000 Magalhães e um pedido de desculpas ao meu padrinho

Se descerem rio abaixo até ao meu texto do passado dia 8, verão que não me portei lá muito bem com o meu padrinho. Serve o presente para salvar a minha honra e pedir-lhe desculpas públicas dos meus erros, como passo a explicar:
Provando que continua cheio de razão e que só muito raramente se engana, o meu padrinho apresentou ao país e ao mundo o pequeno portátil que vai ser distribuído a 500.000 crianças do 1º ciclo escolar. Em homenagem ao circum-navegador, baptizou o brinquedo de Magalhães. Na minha modesta opinião o Magalhães está para Portugal como o Lego está para a Suécia.
O pequeno Magalhães é o pónei de batalha dos programas e-escola e e-escolinha do governo do meu padrinho, o que vai dar no seguinte: os putos do escalão A não pagam nada pela sua distribuição e os do escalão B pagarão 20€. Apenas os pais e encarregados que não beneficiam de acção escolar é que terão de desembolsar 50€. Uma verdadeira pechincha. O pequeno Magalhães é um folar ao nível do melhor dos padrinhos!
Resistente ao choque, à água e aos líquidos em geral (por razões de mero pudor, o meu padrinho omitiu que também resistia ao xixi), o pequeno portátil apresenta-se em suaves tons azul-marinho e branco. Munido dum processador da poderosa Intel e com cerca de 6 horas de bateria, tem acesso à internet e vem com software de última geração.
Palavras do meu padrinho, que adiantou que o Magalhães está a ser “construído” em Portugal e que a sua ligação à internet terá uma largura de banda de 48 “megabytes” por segundo.

Amantes da democracia como ele, meu padrinho, a Líbia e a Venezuela aprestam-se para nos comprar milhões de pequenos Magalhães, certamente a troco de mais petróleo.
Entrevistado pela Exame Informática, o vice-presidente executivo da Intel não poupou elogios ao governo do meu padrinho: “O que Portugal está a fazer é, sem dúvida, um bom exemplo para outros países.
(*)

Incomodado com um ou dois lapsos de língua que terá cometido durante a apresentação do novo brinquedo, confidenciei-lhe em privado:
Padrinho:
- Já ninguém constrói computadores; é mais barato assemblá-los, isto é, sacar os componentes aqui e ali, de preferência onde a mão-de-obra for ao preço da chuva; reunidos os componentes, monta-se a máquina. Et voilá: simples e barato. Sabe, é tal qual a canibalização que a malta fazia na guerra colonial com as peças das viaturas Unimog: de 3 chaços velhos fazíamos 1 em condições de andar.
- Já agora: a velocidade de acesso do Magalhães é de 48 megabites por segundo (Mb/s) e não de 48 megabytes (MB/s). Olhe que 1Mb/s corresponde apenas a 0,125MB/s; assim sendo, são precisos 8 megabites para chegar a 1 megabyte.

- Diz-me ele: Gaita, afilhado, isso é que me saíste um informático de 1ª água!
- E ó mais não sou engenheiro! – Respondi-lhe eu, ao mesmo tempo que lhe virava as costas e me afastava em passo de corrida.
Não fosse ele atirar-me com o Magalhães que trazia debaixo do braço...
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(*) A interessante entrevista pode ser lida no n.º de Setembro da revista, de págs. 30 a 32.