terça-feira, 2 de setembro de 2008

Tardes do Piri-Piri

Com 83 anos, foi ontem a enterrar uma conterrânea que ajudou a marcar a minha juventude nos anos 60 (foi no séc. passado, raios!). O triste evento foi merecedor dum post no Notícias de Bustos, editado pela 1ª vez em verdadeira e animada co-autoria.
Cremilda Martins da Silva tinha 83 anos e há 45/40 anos viveu com bonomia e compreensão a nossa irreverente juventude.
Fosse nas férias escolares, fosse aos fins de semana, a esplanada do café Piri-Piri dessa aldeia pujante e contestatária que foi Bustos era o ponto de encontro dum número apreciável de jovens e libidinosos bustuenses. Ali vivemos as famosas tardes do Piri-Piri, entre finos, pratinhos de tremoços e alguns pires de pequenos búzios da ria que a Ti Cremilde ia pachorrentamente servindo à medida que contávamos as escassas moedas de escudo.

Regressados do que já apelidei de "Agosto bustuense da Costa Nova" e a partir da sede instalada na esplanada do Piri-Piri, ajudámos a organizar em Setembro de 1970 um Encontro de Estudantes da Bairrada, cuja iniciativa partira do pároco local. O Padre Vidal era um indefectível da ditadura salazarista e tinha fé de que acabaríamos por lhe cair no regaço; só que a malta tinha outras ideias e, mal ele sonhava, aproveitámos mas foi para ir sacudindo as consciências que o regime reprimia ferozmente.
Estranhamente, o pároco tinha uma empatia muito especial por mim: eu era rebelde mas franco e isso atraía-o. Uns bons anos antes, aí pelos meus 10/12 anos, era uso na missa de domingo o sacristão mandar perfilar meia dúzia de miúdos traquinas no 1º degrau logo a seguir ao altar. Calhava-nos sempre a triste sina...até que um dia engendrámos a mais rebelde das conspirações:
Aproveitando um dos solenes momentos em que o pároco ajoelhou de costas para os fiéis, um de nós atou-lhe os dois atacadores dos sapatos; ao querer levantar-se após a sentida oração, o Padre Vidal estatelou-se no chão ante o altar. A risota foi geral, mas o par de tabefes com que o bondoso sacristão brindou cada um dos atrevidotes caiu que nem raio castigador.
A missa continuou a pedido do Senhor, que lembrou aos crentes o miúdo traquinas que um dia
também Ele fora.
Quem sabe se o irrreverente episódio não fez de nós melhores filhos desse deus que está no coração dos homens e das mulheres de bem.
Bem haja a mulher de bem que foi a Ti Cremilda!