quarta-feira, 17 de setembro de 2008

rebeldia ou dignidade?

Em 1965 era aluno interno do 6º ano do liceu no então Colégio Nacional de Anadia. Numa tarde solarenga, passeava com uns colegas mais chegados pelo alto do Monte Crasto, ali onde as vistas das serras do Caramulo e do Buçaco nos entram pelos olhos adentro.
Súbito, surge um automóvel que se imobiliza no alto do pequeno monte; do banco traseiro sai o então bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade. Um dos colegas que me acompanhava era seu sobrinho; ao vê-lo, o Daniel abeira-se do bispo seu tio, beija-lhe o anel e depois a face, num misto de respeito e sã familiaridade.
Com natural timidez, fomo-nos aproximando e cumprimentando o bispo como era dos usos: beijando-lhe o anel. Chegada a minha vez, fiz uso da ousadia própria duma geração que despertava para um mundo diferente: em vez do beijo da submissão, apertei-lhe a mão e curvei-me em sinal de respeito. D. Manuel, que bebera o espírito inovador e mais tolerante do Concílio Vaticano II em que participara em 1962, sorriu-me afavelmente.
Uns tempos depois, o Daniel ofereceu-me "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiróz, fazendo questão de me dizer que o livro pertencera ao tio; e lá estava, na 1ª folha, o seu nome e a data da aquisição da obra: 1933.
Li o livro e julgo ter lido melhor a mensagem que a oferta escondeu.
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Título extraído dum livro publicado pelo povo de Mamodeiro/Aveiro sobre um grave diferendo que então se instalou a propósito da localização duma igreja: "Rebeldia ou dignidade? - Os de Mamodeiro e o Sr. Bispo de Aveiro"