segunda-feira, 28 de setembro de 2009

PROMESSAS LEVA-AS A URNA...

A viver nos nosso dias Leopold Franz Johann Ferdinand Maria Sacher-Masoch não teria, com toda a certeza, idealizado algo mais perverso para concretizar a sua pulsão favorita: obter prazer com a sua própria dor e sofrimento.

Sui generis expressão do mais puro masoquismo, a aceitação por parte do cidadão comum do reiterado incumprimento das promessas eleitorais por parte da "classe política" que governa este Planeta, é algo que prefigura, à escala da Humanidade, um comportamento a tocar as raias do patológico.
Que, vindas de todos os quadrantes do espectro político, democraticamente presentes à esquerda, à direita e ao centro, as promessas eleitorais ganham as eleições que de outra forma os seus autores se arriscariam a perder, é algo que não sofre a menor contestação.

Que, não sendo regra, é "normal" que a esmagadora maioria dessas promessas não sejam cumpridas no período pós eleitoral, e que quem as promete saiba de antemão que as não irá cumprir, faz já quase parte do senso comum, mas é no mínimo dos mínimos ignominioso.
Agora o que é mesmo, mesmo, ultrajante é que ou intuindo ou mesmo percepcionando tudo isto, o comum dos cidadãos ainda continue impávido e sereno a depositar na urna o penhor da sua esperança de dias melhores, eternamente prometidos e eternamente esquecidos, sem um único queixume que não seja o de em futura oportunidade mudar de moleiro...mas não de ladrão.
De promessa em promessa, de esperança em esperança, cíclica e passivamente assistimos a mais uma reinvenção deste provérbio, imbuídos de algo que fica algures entre a estupidez humana, que como todos sabemos é incomensurável, e a completa ausência de consciência política.
Mas por quanto tempo mais conseguirá o cidadão comum suportar as promessas que, está careca de saber, jamais se cumprirão?
Por quanto tempo mais conseguirá conviver pacificamente com o concubinato de casa, cama e pucarinho entre o poder e o capital, que a cada momento se reinventam para perpetuarem a quase apática submissão da horda de explorados da qual é parte integrante?

Por quanto tempo mais poderá complacentemente pactuar com a farsa imoral da distribuição de migalhas a quem realmente produz a refeição inteira, e sucessivamente fazer vista grossa a promessas de equidade financeira e social que se fazem para nunca ser cumpridas?
Por quanto tempo mais poderá o cidadão comum assistir à delapidação do planeta onde temporariamente habita, e onde por este andar não habitarão os filhos dos seus filhos?
Por quanto tempo mais poderemos nós, comuns cidadãos, fazer de conta que perdemos a capacidade de tomarmos em mãos o nosso próprio destino?


Será que não vem chegando a altura de começarmos a equacionar a possibilidade de não necessitarmos de moleiro e muito menos de ladrão?
jr
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O bloguedooscar abriu-se à colaboração deste misterioso "jr", um blogger com provas dadas, sempre a coberto do mais extremoso anonimato. Anonimato que jurei preservar (eu seja ceguinho!, tal foi a garantia que lhe dei).

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

TACHO DEU SARRABULHO

De 4 em 4 anos, as promessas de tachos repetem-se.
E de 4 em 4 anos, ficam promessas de tachos por cumprir.
Como os tachos são menos do que as promessas, de 4 em 4 anos há sarrabulho: os que foram enganados pelas promessas eleitorais denunciam a vigarice.
Aconteceu isso há pouco mais de 4 anos com o Dr. Fernando Vieira, então presidente da União Desportiva de Bustos, que em 2001 aceitou integrar a lista do CDS para a Assembleia Municipal apenas por lhe terem prometido um sintético para o campo de futebol da UDB.
O nosso presidente da UDB sacrificou a sua condição de militante do PS pela condição de bustuense e amante maior do clube de Bustos.
Como eu era dirigente concelhio do PS, o dótô teve o cuidado e a ombridade de, previamente, falar comigo. Apoiei-o, porque também eu, antes de ser militante dum partido político, sou militante de Bustos.
A promessa não só não foi cumprida, como o sintético foi para outro lado: o Oliveira do Bairro Sport Clube.
E não foi cumprida porquê, perguntarão?
Não foi cumprida, porque quando o CDS organizou em 2005 a lista para a Câmara convidou um prestigiado oliveirense e dirigente do OBSC para fazer parte dessa lista. O convidado aceitou, na condição da Câmara pagar imediatamente o sintético do clube sediado na capital do concelho.
A Câmara cumpriu com o dirigente oliveirense e deixou no fundo da gaveta a promessa que fizera 4 anos antes ao Dr. Fernando Vieira.
O caso deu um grande sarrabulho, com comunicados na rua e protesto do vigarizado na Assembleia Municipal (julgo que, em final de mandato, o Dr. Fernando renunciou mesmo ao cargo de membro da Assembleia). 
O sintético veio para Bustos, pois veio, mas foi pela mão do actual executivo.
Gosto muito de sarrabulho, sobretudo se for feito num tacho grande, ao lume.
Este que aqui apresento foi feito pelas mãos de ouro do Licínio da Mamarrosa e foi comido na adega do Jó, ali no Sobreiro.
A saboreá-lo havia lambões para todos os gostos e paladares: do PS, do PSD, do CDS, do Bloco de Esquerda, da CDU, do Benfica, do Sporting, do Porto, do Beira-Mar e até do Belenenses, por sinal um clube do coração de muitos bustuenses nascidos nos anos 20, 30 e 40.
Bustuenses que não esquecem.
É bom não esquecer. É bom lembrar.
Porque um Povo sem memória é um Povo sem história.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A TERRA

Pinta a terra no meu corpo.
Pinta a terra no meu corpo.
Pinta, pai, a terra no meu corpo.
Eu próprio vou transformar todo um povo,
vou tornar sagrado todo um povo.
Pinta, pai, a terra no meu corpo.
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- Poema dos Índios Sioux, América do Norte. Tradução de Herberto Helder. Publicação: "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro", Assírio & Alvim, 3ª edição /Abril de 2001, pág. 216
- Imagem extraída da capa de "Fort Whelling, de Hugo Pratt,Tomo 1, Edições ASA, 1ª edição, de Nov. de 2002.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vocês conhecem-me

Não vou dizer que sou mais conhecido do que a Sé de Braga. Deixo isso para o candidato do CDS à Câmara Municipal, ele sim, pelo menos tão conhecido como a vetusta sé da cidade dos arcebispos. O que não admira, porque ambos existem e se mantém de pé há centos e centos de anos. (1)
E também não vos vou pedir que confiem, seja em mim, seja no candidato. Explico porquê:
Quanto ao candidato e entre outras razões de que agora me reservo não falar, porque se trata dum verdadeiro "animal político", velho rato sabido, cheio de truques na manga, especialista na arte de prometer que os políticos tão bem cultivam, que diz que fez o que não fez (ou só fez em parte), ou que agora vai fazer o que há muito deveria ter feito.
E se vos peço para também não confiarem em mim, lá tenho as minhas razões.
Entre outras de que agora me reservo não falar, sou meio anarca, um rebelde, cão que não conhece dono, porta bandeira de causas que defendo até à exaustão. 
Causas que às vezes ganho, às vezes perco. Mesmo quando ganho.
Confesso também que sou visceralmente anti-estalinista, menos num aspecto. Como Estaline, seria capaz de restaurar os ícones religiosos para incentivar o povo a resistir à invasão nazi (2).
Porque digo isto, perguntarão. Também explico porquê:
Vamos supor que a lista BUSTOS EM 1º, concorrente à eleição para a Assembleia de Freguesia de Bustos, ganha as eleições de 11 de Outubro...
Em tal caso, alguém me imagina a ter de tratar a vencedora por "Senhora Presidenta" prá qui, "Senhora Presidenta" prá li?
Que reacção esperariam dum homem que já casou 3 vezes e outras tantas se amigou?
Suportaria tal vexame?
Ou tentaria um 4 casamento?
E se a história voltasse a repetir-se? Tentaria um 5º?
Não! Jamais (ler jamais com sotaque afrancesado)!
A história não vai repetir-se! 
Nem a lista da minha 3ªcarametade vai ganhar as eleições...
...nem eu acredito em 5 casamentos, ainda que interpolados!
Cinco casamentos são cinco mandatos.
São mandatos a mais!
Deus me livre!
__
(1) A Sé de Braga terá começado a ser construída no séc. XI, entre 1070 e 1093.
(2) As tropas soviéticas chegaram a marchar contra os exércitos de Hitler com bandeiras de santos ortodoxos como porta-estandartes.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

De como em 1º começa a estar BUSTOS

Em perfeita sincronia e demonstrando apurado sentido do que é interactividade, este post é editado em simultâneo com idêntico post do blogue bustos-em-primeiro.
Deixem que vos conte:
Na passada noite e como de costume,  a task force do PS concelhio reuniu na “cabana do Pai Tomás”, sita ali à recatada Silveira de Oiã. Apesar da conhecida aversão às aulas de catequese, recalcamento de infância que me impediu de estar presente, fui informado por telemóvel dos pormenores da apresentação pública das listas de todos candidatos do PS, apresentação essa que irá ter lugar nesta 6ª feira, dia do fatídico 11 de Setembro, pelas 18H30, no hotel Paraíso, em Oliveira do Bairro.
Surpresa das surpresas: a madrinha e 1ª da lista das e dos Jovens de Bustos, que gira sob a denominação de BUSTOS EM 1º, vai representar as seis candidaturas às (6) freguesias do concelho.
A 3ªcarametade vê assim reconhecida a ousadia e coragem de enfrentar o mundo pardacento da política dos politiqueiros e da politiquice. Dos maus padrinhos e piores afilhados, usualmente afiladinhos (i.é., na fila, em lista de espera) para comer do bolo, de preferência à tripa fôrra, até ao rapar do fundo do pequeno tacho que coube em sortes ao concelho que temos sido.
Claro que apadrinhei e apadrinharei até à morte a jovem, ousada e entusiasmada equipa do BUSTOS EM 1º.
Claro que elas e eles vão dar cartas.
Claro que vão ensinar (aprendendo) como se deve fazer e viver a política.
Claro que vão despertar e alertar as adormecidas consciências.
Claro que elas e eles sabem muito bem o que querem e que novos rumos devem orientar Bustos e os bustuenses.
Claro que os politiqueiros do anteontem e do ontem vão tremer como varas verdes.
Claro que eles vão andar aos gambozinos.
Claro que vão panicar; quiçá, borrar-se de medo.
Claro que vão, disso não tenham dúvidas, corar de vergonha.
Vergonha pelo que deixaram escapar entre os dedos da sua (in)consciência e (de)formação social, política e ética.
Vergonha pelo mal que deixaram acontecer.
Pelo marasmo bafiento a que votaram Bustos, apesar das promessas que fazem todos os 4 anos, num ciclo vicioso e viciado.
Pela falta de lucidez, imaginação e sentido prático das coisas.
Assim será, mesmo que eles ganhem na contagem do número das cruzinhas, que o Povo é sereno e acredita até no inacreditável.
Eles não sabem, mas:
*
Tudo é fácil quando se está brincando com a flor entre os dedos,
quando se olham nos olhos as crianças,
quando se visita no leito o amor convalescente.
É bom ser flor, criança, ou ser doente.
Tudo são terras donde brotam esperanças,
pétalas, tranças,
a porta do hospital aberta à nossa frente.
Desde que nasci que todos me enganam,
em casa, na rua, na escola, no emprego, na igreja, no quartel,
com fogos de artifício e fatias de pão besuntadas com mel.
E o mais grave é que não me enganam com erros nem com falsidades
mas com profundas e autênticas verdades.

E é tudo tão simples quando se rola a flor entre os dedos!
Os estadistas não sabem,
mas nós, os das flores, para quem os caminhos do sonho não guardam segredos,
sabemos isso e todas as coisas mais que nos livros não cabem.
*
Deixo-vos com a citação do parónimo texto do padrinho, também acabadinho de sair no BUSTOS EM 1º e que podem linkar em baixo:
Finalmente…
BUSTOS COMEÇA A ESTAR EM 1º!
oscardebustos
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- Poema "Amargo estilo novo", de António Gedeão / Linhas de Força / Edição do autor, 1967, págs. 57 e 58.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Há mar e mar. Há ir e ficar

A descoberta do vídeo antecedente trouxe-me à lembrança um bom amigo e companheiro de Bustos: o Necas Caldeira, magarefe reformado. Mas também embarcadiço, para fugir à guerra a que acabou por não fugir.
Naquela madrugada, apeteceu-me bater-lhe à porta e perguntar-lhe: 
- Então, Necas e o teu mar? 
- E a guerra, Necas, a puta da guerra ali no Tôto, aonde nos encontrámos ia eu para para mais uma intervenção a pedido dos senhores da guerra de Luanda?
- E as campanhas no bacalhau, Necas? Conta-me, conta-me lá, que quero ouvi-las outra vez?

Acabei por encontrá-lo ontem, no sítio do costume, andava aqui o padrinho, mai'la madrinha e o afilhado, a colocar a 3ª tela do "Bustos em 1º". Foi na Barreira, à beira da casa do Altino.
Acabada a safra e umas atramoçadas minis de permeio na loja da Maria do Altino, viémos até casa lembrar tempos que marcaram a nossa juventude. 
E viajar pela net. Mar adentro. Até St. Jones, na Terra-Nova, Labrador.
Chegados lá, dispara-me o Necas:
"O Santa Maria Manuela era da pesca à linha. Saíam em Fevereiro/Março e regressavam antes dos temporais. Os primeiras linhas eram a alma da pesca à linha. Iam nos dóris para sotavento, zagaiando de vez em quando, a ver se ferravam peixe. Se viam que dava, largavam os tróleis de 10, 26, 28 linhas, na zona testada pela zagaia. Era um fartote!
 Carregados os dóris e deixadas as linhas assinaladas com bóias, vinham descarregar o bacalhau para bordo, que garfeavam para dentro da embarcação sem sair do dóris [tás a ver aqui, no filme? Cala-te mas é, e aprende!]
Arrastão Santa Princesa

Fui em 66 para o bacalhau, no Santa Princesa, um navio de guerra francês adaptado. Também andei no Santa Mafalda
Arrastão Santa Mafalda

Foram 4 viagens ao todo, entre 66 e 69.
Uma vez, o Ti Jacinto Merendeiro, da Gafanha do Carmo, morreu dum ataque quando íamos para St. Johns. Enterrámo-lo lá, mas o filho, emigrante no Canadá, trouxe-o para o chão da terra dele. Era gente de raízes!
Mas antes da malta ser enterrada em terra, muito antes de mim, fazia-se o "bota-abaixo": o corpo de quem morria a bordo dos veleiros era colocado em cima duma tábua e seguro por pesos para afundar. Deixado à água, o bota-abaixo só acabava quando se largava uma lamparina a boiar no local, a assinalar a morte.
[Tás parvo ou quê? Claro que a lamparina boiava à solta! Era uma cerimónia, a fazer de conta! Como o teu enterro e o meu, quando formos viver para a casa grande que fica em frente do Zé Valério!  Ou estás à espera de missa cantada e santa no enterro?
- Calei-me antes que ele me excomungasse...]

Não aguentei os 7 anos que a lei mandava para se livrar da guerra. Embarquei para Angola em 71, com o Batalhão 3855, 4ª Companhia, a 3437.
E a tua, que eras dessa merda da intervenção, sempre a saltar para onde elas escaldavam?
- Era a 3564, Necas - respondi-lhe eu - uma companhia independente, sob as  ordens directas do Comando-Chefe de Luanda.

Já agora, Necas: quando nos encontrámos no Tôto ia para uma intervenção na serra da Mucaba, a subir  de gatas, a pique, à espera das ameixas cairem. Fomos a seguir aos páras, que vieram de lá corridos. Aquilo era um santuário da Fenelá, uma espécie de cu de Judas.
Sabes, no percurso passei por uma pequena fazenda que se chamava Mamarrosa.
Lembrou-me a terra. 
A terra para onde tinha de voltar, Necas, nem que fosse cão!"

A nossa terra é o nosso chão. 
É aqui que estão as nossas raízes.
Todos os dias as rego com água.
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A net está cheia de blogues e sítios que nos transportam para o mundo perdido das frotas bacalhoeiras.
Bem hajam pela ajudinha!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

SANTA MARIA MANUELA!

Desde miúdo que o mar me seduz, no que julgo ser um delicioso recalcamento dos tempos em que o mar de Agosto na Costa Nova era de Bustos.
Nos finais dos anos 50 e durante os anos 60, a colónia bustuense naquela praia formava quase um império. 
"É malta! Hoje o mar é de Bustos" - dei por mim um dia a gritar durante o banho das 11.
Era para a Costa Nova que muitos de nós íamos, fosse no mês de Agosto (para as famílias mais abonadas), ou fosse logo a seguir ao S. Miguel das principais colheitas, em finais de Setembro, princípios de Outubro (para os corpos doridos de tanta labuta e meia dúzia de cobres aforrados no magro bolso). 
Durante uma ou mais semanas e a troco de poucos escudos, os lavradores menos abonados  encontravam na outonal e chuvosa Costa Nova descanso para a dureza dum ano  de campo. Os calos das mãos e os gretados pés de tanto pisar o chão durante o amanhadio das terras, dali regressavam amaciados, prontinhos para retomar o trabalho de cão. 
Se chovia, era ver os homens a jogar às cartas, às vezes dias seguidos. As "patroas", essas, entretinham-se no crochet ou nos bordados. Ou na má-língua.
Ligado a este mar andou sempre o bacalhau-nosso-de-cada-dia.

A Epopeia dos Bacalhaus é outro tema que me seduz. Para o mar das campanhas fugiram jovens como eu, assim procurando livrar-se da mobilização para a guerra no querido ultramar do regime salazarista [curioso: nunca encontrei um único filho do regime a bater com os costados no mato].
Há momentos atrás, enquanto viajava meio perdido pela net à procura de porto de abrigo, encontrei uma preciosidade: um vídeo do famoso National Film Board of Canada sobre uma viagem do "Santa Maria Manuela", em plena 2ª metade dos anos 60.
O vídeo é longo em demasia para incorporar aqui.
Em 15 minutos de vídeo, o realizador canadiano retratou o Portugal de meados dos anos 60: a dureza do trabalho, a igreja do regime e o regime da igreja, os rostos sem esperança. De forma explícita, implícita ou mais subliminar, está lá o nosso retrato. 
Ou o retrato que andaram a tirar-nos à força durante anos a fio.
Por favor, não percam este THE WHITE SHIP!
Boa viagem!
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- Não conheço a "Patricio Family", que me parece originária dos Açores dos princípios do séc. XIX. Mas Gente com Raízes destas merece o nosso carinho. Merece que se lhe diga: Bem Hajam, Patrícios!
- Imagem extraída de "A Epopeia dos Bacalhaus", de Francisco Manso e Óscar Cruz, Distri Editora, 1984, pág. 25: "saudações às altas individualidades do Estado e da Igreja presentes à cerimónia de despedida de mais uma campanha."
- Consultar ainda: "História da Pesca do Bacalhau - por uma antropologia do fiel amigo", de Mário Moutinho, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, 1985.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

De como o mar está cheio de peixes que sabem nadar

Eles não precisam da canção do Zeca Afonso (O que é preciso é animar a malta!).
Eles sentem-se como peixe jovem que sabe nadar, e bem. Mas foi proibido de o fazer pelo avô-peixe.
Como ando atento ao mundo aquático que me rodeia e apesar das últimas pescarias em branco, foi meio escondido por entre pedras, navios afundados e sargaços mil que ouvi o interessante diálogo familiar. Oiçamos, pois.
Do alto do seu saber de experiência feita, anos e anos a nadar, a nadar, a nadar, (1)  assim falava o avô-peixe ao agitado cardume dos peixes-crianças:
- Vocês ainda são muitos novos! Ainda têm muito que aprender! Nós, os velhadas, é que sabemos o que é a vida!
E lá continuou, do cume do seu enegrecido rochedo:
- Com que então já querem atirar-se ao mesmo prato das saborosas minhocas do mar de que nos vimos alimentando há séculos e seculorum? 
Têm muito que esperar! Fiquem-se pela farinha maizena, pela papinha! 
Era o que nos faltava! Bem podem esperar sentados nas pedritas do mar!
A quererem ser livres neste mar que é nosso, ó fedelhos dum raio!
- Este mar que há-de ser nosso até eu cair da cadeira! [como o outro, o peixe-salazar]

Com um ar cada vez mais sério e teatral, prosseguiu: 
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu..."
[etc., etc., etc. e tal] (2)

Quanto mais o avô-peixe - qual D. Sebastião - se perdia por entre o nevoeiro e continuava a falar d' El-Rei D. João Segundo, da roda da nau que voou três vezes (voou três vezes a chiar), das cavernas e tectos negros do fim do fundo, do homem do leme que tremeu e disse «El-Rei D. João Segundo», mais o  numeroso cardume dos peixes-arraia-miúda se ia afastando, afastando. 
Afastando.
Até que perderam de vista o avô-peixe, o pai-peixe, a mãe-peixe,  a peixeirada.
Finalmente, pararam. 
Um deles, que me pareceu o líder, dirigiu-se aos demais. Em tom apaixonado, mas firme, começou assim:
No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas
De quem sabe amar.
...
... 
Gosto muito de robalos, douradas, sargos e pargos. Desde que sejam "quileiros".
Os juvenis, esses, devolvo-os ao mar.
Que o futuro a eles pertence.
__
(1) Tal como o boneco das pilhas duracell, o avô-peixe nadou durante 160 anos e teima em voltar a nadar mais outros 160. O autor destas linhas, esclarece que, na morfologia peixeira, esta idade corresponde a 10 vezes a idade do homem-peixe-que-teima-em-voltar-a-nadar.
(2) Era óbvio que o avô-peixe citava "O Mostrengo", celebrado poema da "Mensagem", da autoria de Fernando Pessoa-Ele-Próprio.
Deixei de ter dúvidas: o avô-peixe continua agarrado aos fantamas do passado, à poesia do antigo regime, à vertente épica e passadista do Poeta dos grandes heterónimos.
O avô-peixe continuava a desprezar os Álvaros de Campos, os Ricardos Reis, os Albertos Caeiro.
E andei eu, guevarista de meia tijela, a ler poemas de Abril na Assembleia Municipal...
*
CITAÇÕES: 
- Mensagem, de Fernando Pessoa, Colecção Poesia * Edições Ática, 13ª edição, págs. 62 e 63;
- Poesias, de Álvaro de Campos, mesma editora, 1ª edição, pág. 19.
- Imagem da capa: Exigir o Impossível, de Herbert Marcuse / Ed. Lobo Mau / Editorial Teorema /25 de Junho de 1974.