quinta-feira, 3 de setembro de 2009

SANTA MARIA MANUELA!

Desde miúdo que o mar me seduz, no que julgo ser um delicioso recalcamento dos tempos em que o mar de Agosto na Costa Nova era de Bustos.
Nos finais dos anos 50 e durante os anos 60, a colónia bustuense naquela praia formava quase um império. 
"É malta! Hoje o mar é de Bustos" - dei por mim um dia a gritar durante o banho das 11.
Era para a Costa Nova que muitos de nós íamos, fosse no mês de Agosto (para as famílias mais abonadas), ou fosse logo a seguir ao S. Miguel das principais colheitas, em finais de Setembro, princípios de Outubro (para os corpos doridos de tanta labuta e meia dúzia de cobres aforrados no magro bolso). 
Durante uma ou mais semanas e a troco de poucos escudos, os lavradores menos abonados  encontravam na outonal e chuvosa Costa Nova descanso para a dureza dum ano  de campo. Os calos das mãos e os gretados pés de tanto pisar o chão durante o amanhadio das terras, dali regressavam amaciados, prontinhos para retomar o trabalho de cão. 
Se chovia, era ver os homens a jogar às cartas, às vezes dias seguidos. As "patroas", essas, entretinham-se no crochet ou nos bordados. Ou na má-língua.
Ligado a este mar andou sempre o bacalhau-nosso-de-cada-dia.

A Epopeia dos Bacalhaus é outro tema que me seduz. Para o mar das campanhas fugiram jovens como eu, assim procurando livrar-se da mobilização para a guerra no querido ultramar do regime salazarista [curioso: nunca encontrei um único filho do regime a bater com os costados no mato].
Há momentos atrás, enquanto viajava meio perdido pela net à procura de porto de abrigo, encontrei uma preciosidade: um vídeo do famoso National Film Board of Canada sobre uma viagem do "Santa Maria Manuela", em plena 2ª metade dos anos 60.
O vídeo é longo em demasia para incorporar aqui.
Em 15 minutos de vídeo, o realizador canadiano retratou o Portugal de meados dos anos 60: a dureza do trabalho, a igreja do regime e o regime da igreja, os rostos sem esperança. De forma explícita, implícita ou mais subliminar, está lá o nosso retrato. 
Ou o retrato que andaram a tirar-nos à força durante anos a fio.
Por favor, não percam este THE WHITE SHIP!
Boa viagem!
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- Não conheço a "Patricio Family", que me parece originária dos Açores dos princípios do séc. XIX. Mas Gente com Raízes destas merece o nosso carinho. Merece que se lhe diga: Bem Hajam, Patrícios!
- Imagem extraída de "A Epopeia dos Bacalhaus", de Francisco Manso e Óscar Cruz, Distri Editora, 1984, pág. 25: "saudações às altas individualidades do Estado e da Igreja presentes à cerimónia de despedida de mais uma campanha."
- Consultar ainda: "História da Pesca do Bacalhau - por uma antropologia do fiel amigo", de Mário Moutinho, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, 1985.