domingo, 8 de novembro de 2015

Guardiões dos Sabores: a tradição ainda é o que era

Como vem sendo dos usos, os Guardiões dos Sabores voltaram a reunir em Assembleia Geral, cuja ordem de trabalhos foi a degustação dos sabores dos nossos avós e aproveitar para fazer o ponto da situação da gastronomia que defendemos e cultivamos, tudo enquanto íamos degustando ou alambazando-nos à grande e à portuguesa com a cozinha tradicional.
Desta vez, o local do creme foi a acolhedora moradia da Zélia Canão/Carlos Leite, ali na Picada de Bustos. Presentes os guardiãos/guardiões: Fernando Silva, Joãozito Oliveira, Manuel Nunes, Carlos Leite, Adélio Reis, Milton Costa, Manuel Agostinho (secretário e redator das atas e futuro 1º ministro do reino dos sabores) e este vosso humilde escriba, Óscar Santos.
Faltaram, por motivos alheios à sua vontade - como usam dizer os políticos quando fazem borrada e saem de cena - os guardiãos António Romão, Rui Barata e João Libório.
Como vem sendo hábito naquele poiso, fomos recebidos principescamente.
A Zélia e o Carlos levam o esmero ao extremo, com recurso a uma equipa de verdadeiros gourmets: o cunhado do Carlos, Fernando Pinto e a sua consorte e irmã do Carlos, Conceição Leite, vindos expressamente de Oliveira de Azeméis, tal como de lá veio a deliciosa vitela, sacrificada no forno a lenha existente no bonito anexo dedicado aos bons comeres e beberes em grupo.
A Alexandra, que vive em Bustos, veio dar uma mãozinha, porque nunca somos demais para continuar o Portugal gastronómico.Tudo sob a batuta e interação da Zélia.
A Conceição (ao centro, na foto) é uma exímia cozinheira. As suas batatas salteadas, enriquecidas com alho, orégãos e o azeite dos usos, bem como os pipis estufados, caíram no céu daquelas bocas já de si esmeradas e exigentes. Até um bom queijo da serra a desfazer-se no palato ajudou ao preâmbulo do festim.
Não pensem que as delícias da terra (as do mar não fazem cá falta) se ficaram por aqui:
O mulherio, com a ajuda e permanente atenção do Fernando Pinto, submeteu ao lento crivo do forno a lenha 3 travessas de barro (houve uma 4ª, que não identifiquei), com a compositura que passo a factualizar:

- Uma, de robalo médio (300/400gr, diz o escriba, que já foi rei na matéria), recheado com pimentos vermelhos e verdes [a variedade é essencial, confidenciou-me a Conceição do alto do seu saber], a que acresceu bacon, orégãos e, desconfio, outros ingredientes que ficaram no segredo da deusa.
Para evitar o derrame do recheio, os robalos foram esventrados pelo dorso lateral, após o que foram fechados com palitos, tudo para evitar escorrências.
Na travessa de barro, os famosos e injustiçados robalos assentaram numa “cama” de vinho branco, azeite, cebola, tomate e salsa, cama essa que não se quer muito gorda, frisou a mestra.
Uma delícia! - rejubilaram os confrades, enquanto iam falando mal da política e bem das mulheres.

- As outras duas, deram guarida à tenra vitela trazida de Vale de Cambra, dos pastos dos lavradores locais que lá vão resistindo à crise, bom grado os esforços da ministra Cristas, agora em fim de ciclo.
Chegados aqui, avancemos para o esmerado tempero com que o jovem bovino foi regado.
Tudo vos relatarei até ao ínfimo pormenor, ó crentes e incréus, salvo aqueles segredinhos que os experts e chefs não gostam de revelar, seja aos crentes, seja aos ateus, agnósticos, ou mesmo aos da opus dei ou da maçonaria, seja qual for a loja em que aventalam:
Ele é alho, cebola, louro, sal, pimenta, uma malagueta de piri-piri, vinho branco e até um poucochinho de água, não vá a carne morrer à sede.
Outra delícia! - voltaram a rejubilar os confrades, enquanto se iam repetindo a falar mal da política e bem das mulheres.
Não registei o pedigree dos excelentes tintos e espumantes, que o tempo não deu para tudo, pois tive de me dividir entre a heurística da cozinha e a hermenêutica da farta mesa. E ainda tive de fazer de fotógrafo de serviço.

Mas dei nota das sobremesas, ainda que não sejam o meu forte:
Pudim caseiro (nada de fudim plan), pão-de-ló de Ovar, bolo de chocolate com café e ainda natas do céu regadas com ovos moles. Tudo matéria prima confecionada pelas mãos de fada da nossa Senhora da Conceição.
Mas que delícia! – rejubilaram de novo os confrades, enquanto insistiam em falar mal da política e bem das mulheres.

Para fechar o repasto, só faltou a Ana Sofia, filha da casa, brindar os convivas com uns acordes de flauta transversal em que é exímia, ela que integra a Banda da Mamarrosa. Fica para a próxima, se e quando a timidez se for embora.
Entretanto e como é da praxe, o secretário Agostinho lavrou a acta, que divulgarei na página do facebook dos GS, pois, ao contrário dos políticos e outros beneficiários da manjedoura, a malta não tem nada a esconder aos portugueses.
Como mandam os códigos, depois de lida e achada conforme, foi a acta assinada por todos.

São encontros destes que nos fazem esquecer que o país está de tanga para tantos e generoso demais para uns poucos.
Bem vistas as coisas, trata-se de contribuir para a recuperação, preservação e divulgação da cozinha tradicional portuguesa.
O governo - este e o que vem aí - podem cair. Os Guardiãos dos Sabores manter-se-ão de pedra e cal, que é como quem diz, de carne e peixe! 

Óscar Santos